Após a entrevista, vamos para a secção do léxico.
Hoje, relacionada com religião.
Como sabem, a vida do JC chegou até nós através de quatro senhores, mais tarde tornados santos: S. Mateus, S. Marcos, S. Lucas e S. Paulo.
Habilidosos na arte da escrita, coisa rara naquela época, reduziram toda a doutrina do JC em vários livros, tantos quantos os seus autores, os Evangelhos.
Por o terem feito, denominam-se
evangelistas.
Não é, porém, dos santos que vos quero falar, pois que os não há na nossa vila à beira Vouga implantada.
Falar-vos-ei de evangelistas, sim, mas de uma outra espécie. Daquela que o meu dicionário, cada vez mais útil, sintetiza da seguinte forma:
«pessoa que proclama verdades sublimes ou que divulga uma doutrina que se segue como se fosse o Evangelho».
Não se mostrem espantados, meus caros. Também eu pensava que já tinha visto tudo em SPS, mulheres a despir amantes, molhos de francesinhas condimentadas não com pau de cabinda, mas com pêlos púbicos, prédios a crescer contra o projecto, um assessor presidente de um clube de futebol, um presidente à frente de uma rádio, uma rádio ao serviço de um presidente, um presidente à frente de um jornal e um jornal ao serviço do mesmo.
Estava enganado. Não sou como o outro que nunca tem dúvidas e raramente se engana. Admito.
Faço mea culpa.
Estava eu no balneário, sempre alerta, qual bom escuteiro que sou, com a parte final do meu intestino grosso encastrado na cadeira, não fosse algum credor vir buscá-la, quando vi entrar aquela figura possante e entroncada.
Um manto branco elaçado no ombro esquerdo propendia sobre o seu corpo musculado. Num contra luz divinal, quase angelical, avançou a passos largos e determinados em direcção ao meu posto.
Maravilhado, ergui o meu traseiro e fiz-lhe uma vénia. Gostou do trato e concedeu-me um sorriso, esboçado com realce pela ausência de pêlos no rosto.
Para além da óbvia conclusão de o poder levar a comer francesinhas ao Marias, ou lá como se chama o antigo BB (Bar Brasileiro), nada mais consegui deduzir.
Questionou-me onde podia encontrar o encarregado de obras e afastou-se, transportando um livro na mão direita. Ainda consegui reparar no título, gravado sobre o vermelho com letras douradas gravadas em baixo relevo:
«Evangelho Segundo ACF».
Incrédulo, perguntei a dois dos meus noventa e três colegas de balneário (excluindo os trinta e cinco aquistas que por lá se encontravam) quem era aquela personagem.
O maluco, assim conhecido por ter dois guizos pendurados no único testículo que lhe restou após uma longa exposição ao enxofre das águas termais, aprontou-se, a responder: «fdx, camarada, é o evangelista, caralho. Não conheces?»
Interrompendo ulteriores considerações, o bufinho azul, petit nom que lhe adveio do problema intestinal de que padece pelas litradas valentes de cerveja que costuma encanar no Valsavários, apressou-se a fazer a correcção: «Hic, evangelista o caralho, hic! Doutor evangelista, hic! Não lês os ofícios, hic, das obras?, Fdx, hic, hic!».
Mas, perguntei, «o que faz um obreiro evangelista num balneário?»
O maluco, nesta altura já com os guizos de for a trucidarem-lhe o testículo solteiro e a trincar o lábio inferior, vociferou o seguinte, não sem antes repetir o já habitual fdx: «só vês blogues, meu? Com tanta rapaziada na máquina alguém que lhes ler a cartilha. ..da-se pó gajo, é mesmo burro».
Num perfeito dueto, seguiu-se o bufinho azul: «hic, pufffffffffffff, pois é, não vês que o gajo trouxe o livro e tudo, hic. Espera um bocado e já vais ver como o gajo fala».
Passados uns minutos, na companhia do encarregado, subiu para o palanque e, fazendo uso do sistema de som providenciado pelo bivalve de serviço, abriu calmamente o seu livro vermelho na página 653 e olhou de relance para os espectadores, quase todos funcionários do balneário.
Com uma voz firme, mas forma pausada, começou: «sei que andam para aí uns blogues da treta a criticar tudo e todos, dizendo que temos pessoal a mais e dinheiro a menos. Credores a mais e fundos a menos. Que são mandados por um senador com cabelo à Tintin e outras vis falsidades».
Fez uma pausa e, tudo em silêncio, apenas um traque do bufinho azul se fez sentir, repentinamente disse: «Não vos preocupais com o vosso futuro e com o balneário de todos nós. O ACF tem a solução. Em primeira mão incumbiu-me da honrosa tarefa de vos comunicar que em breve será criado mais um pólo balnear. Fodei e multiplicái-vos. O pão e vinho das vossas mesas e das gerações vindouras está assegurado».
E pronto, com esta
verdade sublime, pelo menos na óptica do simpático evangelista, me fui, para mais tarde me vir sobre a puta de Vilar.
Tudo porque jamais olvidarei o seu comando de multiplicação.
Ide em paz e que o
evangelista vos acompanhe ao longo da obra da vossa vida ou da vossa vida em obras, para o caso de serm comerciantes nas Termas.
Robin do Telhado