<$BlogRSDURL$>
robindotelhado
quarta-feira, fevereiro 11, 2004
 
O MIRA-AVIÕES

SPS, não o partido de índole vitoriana «Somos Por Si«, mas S. Pedro do Sul, vila onde tudo se passa e tudo acontece, sempre se caracterizou por possuir uma variada fauna.

Sempre teve e tem ainda hoje criaturas para todos os gostos: presidentes a-profissioinados, vereadores filósofos, assessores dirigentes de futebol, padres vermelhões, professores garrafões, engenheiros engarrafados, funcionários a contrato. Enfim, um sem número de parasitas grotescos sem utilidade nenhuma que não seja deglutirem o erário público.

No entanto, como boa terra que também o é, teve, de quando em vez, personagens dignas de figurarem como número um da mais digna caderneta de cromos.

É de um desses cromos que vos vou hoje falar.
Muitos dos atentos leitores bloguistas não se lembrarão, por força da idade, de um visionário que por cá passou há mais de vinte, vinte e cinco anos.
Nessa altura, como só me deslocava a SPS aos fins-de-semana, nunca soube o que fazia. Provavelmente nada. Melhor dizendo, certamente tudo, ainda que aparentasse o contrário.
Nunca soube o seu nome. Apenas sei que tinha a alcunha do Mira-aviões. Julgo que as más-língua cá da terra, que as há em grande número, o terão assim denominado por andar sempre com as mãos atrás das costas com a cabeça virada para o céu, com um olhar fixo no infinito.

Sei hoje, com experiência de vida que fui adquirindo ao longo de quarenta e seis anos, sete dos quais como trabalhador no balneário, o que equivale ao dobro em idade civil, que não eram aviões o que o Mira-aviões fitava.
Sei, hoje, que a sua preocupação se centrava na ausência de pássaros que rasgassem o horizonte serrano.
Sei, hoje, o quão apoquentado era o seu estado de alma por sentir a falta de tão belos animais.
Sei, hoje, que era um visionário.

Com mais de vinte anos de antecedência, o Mira-aviões conserguiu prever que o senado iria ser tomado de assalto por um bando de desempregados de tacho na mão; sabia que esses ex-futuro-desempregados jamais abandonariam a panela asssim tomada; sabia que, muito embora não tivessem nenhuma capacidade de gestão da masa que é de todos nós, a banca lá estaria de pernas abertas para colmatar toda e qualquer incapacidade orçamental.

Por tudo isto, com a já referida antecedência, o Mira-aviões passou a ter um sonho recorrente: S. Pedro do Sul seria invadido por um bando de aves, num cenácio tipicamente Hitchcokiano. Plagiando George Orwell, seria um verdadeiro « Triunfo dos Pássaros».

Desde a primeira vez que teve tal sonho, o nosso cromo não mais deixou de esprerar pacientemente pela vinda dos nossos salvadores, por isso passando longas horas a visionar o azul do céu, expectante para o seu sonho ganhasse forma e o desígnio se concretizasse.

Como todos os que sonham, o Mira-aviões foi, na falta de um sinal de concretização do almejado sonho, perdendo a esperança e, passados alguns anos, partiu, não mais voltando à nossa vilória.

Há uns tempos, também num sonho, encontrei-o e fui bafejado por uma surpreendente confissão.
O Mira-aviões, envergando os seus habituais calções caqui, segredou-me a razão do seu sonho recorrente. Advertiu-me que não o moviam razões estéticas ou poéticas. Não era o chilrear dos pássaros que pretendia. Não era o esvoaçar por de entre as árvores que desejava.

Era a dejecção das aves que ele tanto queria ver concretizada.
Devo dizer que fiquei aterrado com a sua confissão. Pensei que um mais nobre fim, de resto, condicente com a sua postura física, de pensador profícuo, estivesse subjacente. Ainda lhe avancei-lhe que dejectos já lá tínhamos que chegasse. Não eram precisos mais.

Serenamente, afiançou-me, com segurança e firmeza, que eram dejectos o que mais queria.
Não em qualquer telhado da vila. Certamente não no meu, para que não me tornasse no Robin do R/C, mas no daquele edifício renascido do incêndio, protado e sobranceiro ao jardim.

Baralhado, perguntei-lhe se era da Câmara que falava. Disse-me que sim. Pensando tratar-se de um erro de localização, ainda o informei que era aí que se encontava a nata da nossa classe política, os democraticamente eleitos pelo nosso povo.

Farto da minha conversa eivada de um je ne sais quois de cunbersa da merda, disse-me, parafraseando o Cineasta César Monteiro: «estou-me a cagar para o povo». «O povo é quem mais ordenha», acrescentou. Para além do mais, continuou, «quais eram as alternativas: um bando liderado por um DLD (desempregado de longa duração) ou por um puto sem carta»? Mal ou bem, concluiu, «o primeiro, por ser encartado, sempre os havieria de conduzir a algul lado, nem que fosse a um beco sem saída».

Rendi-me perante tal argumentação. Atrevi-me, embora antevesse a resposta, porque raio queria eles os pássaros no telhado do dito edifício.

Recuperando a serenidade com que sempre o imaginei, respondeu-me numa voz calma: «quero que os pássaros defequem pelos respectivos anûs toda a matéria orgânica não assimilada pelo organismo e que, por sua vez, esta atinja os píncaros dos tachos que protegem o couro cabeludo de todos quantos entrarem no edifício mencionado».
Num tom mais vigoroso e impressivo, «quero que a merda que jorra pelas bordas do cu dos pássaros lhe atinja o cocuruto da cabeça e, mercê da sua acidez, se entranhe na que têm já no seu interior».

Com tamanha violência verbal, despertei do meu sonho abruptamente, sem tempo para me despedir do saudoso Mira-aviões.
Apercebi-me que dormia no hall do Senado há mais de três horas.
Eram 12 horas e catorze minutos e aguardava pelo meu interlocutor, com quem tinha marcada uma reunião para as 9 da matina.
Passaram-se quinze minutos e, aborrecido, fui-me embora para o trabalho, pois tinha de entrar no turno da tarde.
Durante todo o caminho, esperei que as preces do Mira-aviões e, agora, também minhas, fossem ouvidas e SPS fosse invadido por um bando de aves com uma diarreia de último grau. Desejei que se amontoassem nos telhados do cândido edifício e, de lá, abrissem as torneiras das suas entranhas, cobrindo as faltas de respeito para com os munícipes.


À chegada às caldas, um cinta policial formada por corpulentos barrigudos trajados de verde azeitona impedia o acesso ao balneário.
Ao invés de empunharem um cacete para afastar as pessoas, reparei que toidos empunhavam o indicador em frente do nariz. Chium, diziam, façam pouco barulho que o senador adormeceu dentro do carro. Teve um reunião no mercado de Viseu que durou até às tantas e ficou-se pelo carro. Respeitem que trabalha em prol e todos vós, segredava um mais novo.
Espreitei e ainda vi uns cabelos em pé do senador dedicado à causa pública, que se quedavam por cima do volante do seu carro.

Pela primeira vez na vida amaldicoei o Mira-aviões pela sua precipitação contagiante.
Afinal, ainda havia que se dedicasse a todos nós.

Respeitosas saudações, é o que vos desjo dos píncaros dos céus, montado no dorso da Fernão Capelo, a mais excelsa gaivota que pairou sobre o céu de SPS.
 
Comments: Enviar um comentário
S. Pedro do Sul, Viseu

ARCHIVES
01/01/2004 - 02/01/2004 / 02/01/2004 - 03/01/2004 / 03/01/2004 - 04/01/2004 / 07/01/2004 - 08/01/2004 / 08/01/2004 - 09/01/2004 / 09/01/2004 - 10/01/2004 / 10/01/2004 - 11/01/2004 / 02/01/2005 - 03/01/2005 / 03/01/2005 - 04/01/2005 / 04/01/2005 - 05/01/2005 / 05/01/2005 - 06/01/2005 / 06/01/2005 - 07/01/2005 / 07/01/2005 - 08/01/2005 / 08/01/2005 - 09/01/2005 / 09/01/2005 - 10/01/2005 / 10/01/2005 - 11/01/2005 / 11/01/2005 - 12/01/2005 / 12/01/2005 - 01/01/2006 / 01/01/2006 - 02/01/2006 / 02/01/2006 - 03/01/2006 / 03/01/2006 - 04/01/2006 / 04/01/2006 - 05/01/2006 / 05/01/2006 - 06/01/2006 / 06/01/2006 - 07/01/2006 / 07/01/2006 - 08/01/2006 / 08/01/2006 - 09/01/2006 / 09/01/2006 - 10/01/2006 / 10/01/2006 - 11/01/2006 / 12/01/2007 - 01/01/2008 / 01/01/2008 - 02/01/2008 / 02/01/2008 - 03/01/2008 / 10/01/2008 - 11/01/2008 / 11/01/2008 - 12/01/2008 / 12/01/2008 - 01/01/2009 / 01/01/2009 - 02/01/2009 / 02/01/2009 - 03/01/2009 / 03/01/2009 - 04/01/2009 / 04/01/2009 - 05/01/2009 / 08/01/2009 - 09/01/2009 / 09/01/2009 - 10/01/2009 /


Powered by Blogger