A FOTO DO FREITAS DA SILVA
Dizia-me outro dia um amigo meu, Mestre e Doutor em maledicência, que concordava inteiramente com a decisão do PP em enviar a foto do Professor Freitas do Amaral para a sede do PS.
Dizia-me ele que era o tratamento merecido para os vira-casacas e oportunistas.
Só com o total e público repúdio de actos como esse, adiantava, poderia a política portuguesa alcançar um maior nível de respeito.
Apesar de o tentar convencer do contrário, argumentando que, apesar de tudo, o Professor Freitas fazia parte da história do CDS, não consegui e a conversa ficou-se por ali.
Uns dias passados, estava eu sentado no cruzeiro a contar os 21 jardineiros do Senado que aí apanhavam outras tantas folhas, à razão de uma para cada um, vi esse meu amigo em passo apressado, com um rolo debaixo do braço, tipo arquitecto, a dirigir-se ao tribunal.
Chamei-o para dois dedos de conversa e perguntei-lhe, preocupado, porque se dirigia à Domus Iusticiae.
Sem falar, mas com um sorriso de orelha e um brilho nos olhos, retirou a trampa do canudo e, cuidadosa e vagarosamente, começou a desenrolar uma fotografia que teria um metro por sessenta centímetros.
Inicialmente vi apenas duas mãos cândidas e frágeis, sobrepostas. Mãos de alguém que nunca trabalhou no campo, de alguém que teria um trabalho leve, quiçá intelectual.
À medida que ele ia desenrolando a fotografia, apercebi-me que, sobre as mãos do retratado, estava uma pilha de livros com lombada vermelha.
Comecei a ver o nome dos autores. Marx, Lenine, Trotsky, Engels... Estavam lá todos.
Quando já estava quase a sufocar com tanta ansiedade, o meu amigo decidiu-se a abrir a foto de uma só vez, desta vez para causar um total e inesperado impacto.
Olhei para a cara do fotografado e os livros, agora como um todo. Irradiava felicidade e segurança. Como se, do conteúdo dos livros e das políticas defendidas pelos seus autores, dependesse a sobrevivência da humanidade. Há muito que não via uma foto tão intensa. Ele não se limitava a pegar nos livros. Abraçava-os como se a própria vida dependesse deles.
Perguntei quem era. O seu nome, pois de vista já o conhecia. Lembrava-me dele das vezes em que ia ao Roque tomar café.
A primeira vez que o vi, pensei que era um animador sócio-cultural do Adrianizar S. Pedro. De facto, as conversas que mantinha com um outro senhor mais velho e com voz rouca, não sei se de tanto berrar se da má qualidade do bagaço, eram do mais bizarro que já tinha visto. Discutiam um com o outro, mas de coisas diferentes. Um non sense digno de figurar no Gato Fedorento.
O meu amigo disse-me que era um oficial de justiça, daí a sua ida ao tribunal.
Como também ele se chamava Silva, havia recebido em casa a fotografia por engano. Não tinha remetente, mas apenas uma foice esbatida e um martelo. Quase não se conseguia ver. Apenas a cor realçava, de tão vermelha que era. A acompanhar a fotografia, informou-me, apenas um papel com o mesmo logótipo com os seguintes dizeres: «Troca-tintas! És o nosso Freitas!»
O meu amigo estava contentíssimo por lhe ir entregar a fotografia. Nem de propósito, avançava. Já viste, interrogava-se. A moda pegou. Quero ver se a vão afixar na sede da laranjada, concluiu.
E lá foi ele, escadas acima. Não sem antes tropeçar no 15º jardineiro, que apanhava a 15ª foha caída.
Aguardemos. Por mim, tenho já agendada uma visita à sede dos laranjinhas para ver a foto do Silva ao lado da do Sá Carneiro com uma placa por baixo:
Freitas da Silva!