E O TAPETE FOI PUXADOPassal de Carvalhais. Cinco horas da manhã. Uma neblina espessa espraiava-se pela montanha abaixo, apenas permitindo ver um ou outro pináculo dos altos carvalhos lá existentes.
Eu
estava lá e vi tudo. Envergava uma túnica branca com um capuz de cor igual que me permitia ficar a cobro de qualquer olhar. Ver sem ser visto.
Preparava-me para fazer uma macumba no cemitério adjacente. As velas estavam acesas há já algum tempo. A cera, derretida, escorria pela cruz abaixo. Do pescoço do galo preto ainda escorriam algumas gotas de sangue, que se misturavam com o pêlo da ratazana cinzenta e o azeite virgem de Alfândega da Fé.
Objectivo: pedir a melhoria da qualidade do vinho do Ratinho, que envenena os fígados dos meus grandes amigos e companheiros de cartas. Os amigos são para as ocasiões e eu estava disposto a tudo para os ajudar a deixarem de urinar verde e cagar vermelho no dia seguinte a uma jogatina.
Quando me preparava para deitar fogo ao preparado, aperceio-me de um jipe branco a aproximar-se. Do seu interior, saiu um senador, também ele vestindo de branco, conferindo assim à cena um cariz angelical. De imediato, toma a direcção da porta da igreja de 900 anos, onde o esperava um padre de cruz na mão.
Ajoelhou-se e o abade, assim se chamam os clérigos da freguesia, benzeu-o desejando-lhe boa sorte.
Que alcances tudo quanto desejas e que a tua boa vontade continue a servir a nossa freguesia, afirmou o simpático abade em tom quase profético.
O senador agradeceu e arrancou no 4WD.
Fiquei curioso, não pelo cerimonial. Convicções são convicções e eu respeito-as, apesar de ninguém respeitar as minhas de matar galos em cemitérios, mas enfim... O que estranhei mesmo foi a hora.
Chamei um taxi e segui o todo-o-terreno. Após 543 curvas, demos entrada no nó de Vouzela do IP 5, onde tomámos a direcção de Albergaria-a-Velha. Fizemos a A1 até Lisboa e seguimos até à Rua de São Caetano, n.º 91249-087 Lisboa, sede nacional do PSD. Eram 8 horas da manhã.
Após duas horas de espera, para mim e para o senador, chega um veículo de alta cilindrada conduzido por um motorista, que se apressa a sair e abrir a porta de trás.
Vejo a porta aberta e esforço-me para ver que iria sair do seu interior. Por debaixo da porta vejo um par de sapatos com fivela impecavelmente engraxados, umas calças Zegna. A coisa prometia. Por cima da porta... nada.
Querem ver que é um meio homem, pensei.
A porta fecha-se e, então sim, vejo um indivíduo com cerca de 1 metro e 20 centímetros de altura, com um penteado milimétrico e um sotaque engraçado. Já o tinha visto na televisão, mas, sinceramente, não o identifiquei de imediato, talvez por ter dormido pouco. Só sei que o conhecia de algum lado.
Cumprimentaram-se efusivamente e entraram para o edifício. Ainda consegiu ouvir a seguinte frase, dita pelo vaidoso,
quando estavas cá em baixo é que era porreio, as partidas de ping-pong que jogávamos!Saí do meu táxi e trepei pela caleira, o que fiz com relativa facilidade, tal o meu hábito de saltar as paredes dos cemitérios. Encostei o meu ouvido à janela, não sem antes ter removido a cera que por lá se encontrava e, qual não é o meu espanto, quando me apercebo do teor da conversa.
O nosso querido senador estava farto de o ser. Queria ser promovido a senador-mor. Apelando a Nosso Senhor Jesus Cristo e dando a garantia Deste, dizia estar em marcha um movimento de apoio incondicional e irreversível à sua candidatura.
O senhor baixinho, esfregando as mãos, lá ia dizendo:
porreiro, pá. Não gosto de gajos altos. Quanto mais alto se é maior é a queda, he, he, he!O nosso conterrâneo, reforçando a sua posição, incentivava o baixinho a consultar um fórum local, nas suas palavras, um VoyForum ou lá que raio é isso. E não sou eu que estou por detrás disso, lá ia garantindo com pose angelical. É tudo espontâneo, até porque o Tó Carlos é meu compadre, não quero o mal dele. Temos de lhe arranjar alguma coisa para fazer!
O de estatura reduzida, admirando quão nobre atitude, concordou, adiantando que o partido patrocinaria um escritório, canalizando para lá umas avenças políticas.
O por-enquanto-ainda senador aventou que isso não serviria porque essas avenças já estavam todas esgotadas e atribuídas a outros esritórios. O melhor, sugeriu, seria criar um novo jornal local de que fosse o director. Assim, concluiu, resolviam-se dois problemas de uma só vez: o mor ia para director e o Henriquinho para adjunto. Um encanto. Jornalismo à séria. Nada de facciosismos. Independência e transparência.
O shorty aceitou a sugestão e garantiu o total apoio à candidatura.
Em breve darei conta de mais desenvolvimentos desta candidatura à presidência da Câmara de Carvalhais, desculpem, de S. Pedro do Sul.