Curriculum vitae
Para os mais desatentos, curriculum vitae, ou cv, como também é conhecido, é um relato escrito do conjunto de dados pessoais e profissionais relevantes de um indivíduo, apresentado normalmente para candidatura a um emprego.
Confesso que nunca gostei de ter de os fazer.
Não tanto pelo seu conteúdo, embora este seja praticamente inexistente. Para além da elaboração do mísero blogue e do trabalho no balneário – este cada vez menos – nada mais tenho para fazer constar. Quero dizer, em determinada altura fiquei encarregue de fazer o boletim municipal, acho que é um facto relevante. Se calhar, com esta menção consigo ser promovido a assessor do presidente, divido o gabinete com o mordomo Chaves e, quem sabe, ainda acumulo com o cargo de massagista no Sampedrense.
A verdade é que nunca precisei de um cv para nada. Quando fui para o balneário apenas me interrogaram sobre a minha filiação partidária e a minha opinião sobre o trabalho do senador grande. Obviamente, disse a verdade. Compará-lo aos feitos de Júlio César, Alexandre Magno e Marco Polo era pecar por defeito, disse eu na ocasião. Não tanto pela grandiosidade, mas, sobretudo, pela dificuldade de adaptação. Afinal, o trabalho do nosso senador grande vinha de trás. De outros senadores que o antecederam. Só um homem grande teria tido capacidade de encaixe para os executar e fazer seus.
Não é, porém, do meu cv que quero falar. Com as eleições à porta, é preciso começarmos a ponderar. Como os cargos políticos não deixam de ser um emprego, há que analisar os cv dos que se perfilam para a corrida. Só os dois principais partidos, já que quanto os restantes ainda se não conhecem os candidatos.
Para não ferir susceptibilidades, optei por seguir uma ordem decrescente, não de importância, mas de altura. É um critério como outro qualquer.
O maior é persistente e paciente. Moeu, moeu e acabou por conseguir. Esperou, esperou, até que a oposição se desfizesse sozinha. Quando isso aconteceu e se certificou que nenhum membro da família Corcódoas se ia candidatar, ganhou e por lá tem ficado.
O mais baixo é ao contrário. Desiste de tudo facilmente. Pior, recusa muita coisa. Convidaram-no para ser secretário de estado – seria a terceira vez – e recusou. Preferiu vir para uma terra do interior. Convidaram-no para ir administrar o empreendimento do Alqueva e disse que não. O Vouga é para onde quero ir, dar uma banhada ao homem grande e seus correligionários.
O maior pertence a confrarias gastronómicas, nacionais e estrangeiras. Tem um barrete quase maior do que ele e faz-se acompanhar por uma senhora que também usa um barrete e tem cara de gostar muito de comida. Vê-se que é isso que a move. Cheguem-lhe uma rodela de morcela às narinas e vão vê-la babar descontroladamente. Não é para ganhar protagonismo. Gosta de comida e mais nada.
O mais baixo não. Não pertence a nenhuma confraria, nem se faz acompanhar por senhoras com barrete. Tem sido visto na companhia de pessoas que nem chapéu usam. Unas gajos com a mania que têm ideias para o concelho, que se preocupam com a água do rio e com as acessibilidades do concelho, com o saneamento e com um termalismo de qualidade. Enfim, um bando de energúmenos que só não pensam em comer e beber.
O maior tem uma carreira sólida na política. Saltou de um cargo para o outro, qual libelinha a saltar de nenúfar em nenúfar. Esteve na Câmara, onde segundou outro. Esteve no Instituto de Emprego. Esteve como telefonista do Governador Civil. Voltou para a Câmara. Tem um forte pendor político. Tão forte, tão forte que se basta com ele para alimentar a numerosa prole. É tão bom, tão bom que nem precisa de usar o canudo de direito.
O mais baixo não. Esteve na política como secretário de estado, mas tem de ter uma profissão para sustentar a família. Parece que investiga umas coisas de agricultura e florestas. Inventou umas medidas Agris, criou os sapadores florestais e parece que conseguiu uma redução na taxa da segurança social dos agricultores. É funcionário público no ramo da investigação. Vive do seu salário de trabalhador.
O mais alto é certo e determinado. Está apostado em continuar na Câmara. O Governador Civil diz que não quer um telefonista tão qualificado, para não desperdiçar tão valoroso talento. O Instituto da Juventude não quer sacrificar uma pessoa com conhecimentos tão maduros. Querem todos deixá-lo naquilo a que se tem dedicado desde que saiu da faculdade: a Câmara Municipal. Ele próprio sabe que é a única hipótese de providenciar pelo arroz e feijão no fim do mês. Está certo disso.
O mais baixo não tem tanta certeza. Se não ganhar as eleições sabe que pode ir para o governo, investigar mais umas coisas para ajudar os agricultores ou pequenos proprietários. Pode continuar calma e tranquilamente na sua profissão, por diferentes governos que venham a ser eleitos. Pode fazer seminários sobre o desenvolvimento da região ou do país. Enfim, muita falta de determinação quanto ao que sabe e pode vir a fazer.
É este o resumo dos cv dois principais candidatos.
De um lado, a persistência, a paciência, o barrete e o tacho e a determinação em mantê-lo.
Do outro, a recusa dos tachos da confraria, a careca à mostra, quiçá pelas ideias que por lá fervilham, um trabalho com horário.
Não, a mim não me enganam, eu quero é comer e beber, de preferência com um barrete enfiado até aos tomates. Com o maior é que lá vamos. Lá vai chegar o dia em que havemos de vender as termas para lá fazer a sede da confraria. Já comia uma vitelinha no espeto...