O BRONZEADO DO TÓ E A AGULHETA DO IMPERADOR
Poucas são as coisas que me dão mais prazer do que estar na praia. Deitar-me sob um sol radioso, sem sombra, a destilar com temperaturas de 40º. Sentir as gotículas de suor a percorrerem todas as curvas faciais e a alojarem-se logo a seguir à maçã de Adão. Espraiar-me a areia a escaldar, esmagando os grãos de cor clara, encovando-me junto com eles. Penetrar as ondas que se enrolam sobre os nossos corpos.
Como diria um amigo meu da Linha, «curto bués a praia».
Até há uns dias, a minha felicidade estava virgem, impoluta. Após aturadas comparações havia concluído não ter nenhum ponto em comum, ainda que ténue, com o nosso Tó Carlos. Éramos uma espécie de água e azeite, de preto e branco. Diferentes, mais diferentes, não existia.
Este meu estado inebriado havia, no entanto, chegado ao fim. Afinal tínhamos algo em comum: o gosto pelo sol.
Fiquei de rastos. Como é que iria conseguir partilhar a estrela mãe com o Tó Carlos? Pensar que as mesmas ondas haveriam de nos banhar aos dois, num constante movimento de vaivém...
Acontece que não havia nada a fazer. O Tó gostava mesmo do sol, a ponto de, durante todo o período em que os fogos assolaram as nossas serras, ter preferido ficar a apanhá-lo. Decerto aproveitando-se da tecnologia dos telemóveis de última geração, ia recebendo as imagens das áreas ardidas desde S. Martinho até Sul, passando pelas imediações do Trigal, roçando e atingindo mesmo o S. Macário.
O bronze era o importante. Afinal, o Tó Carlos não é bombeiro, muito embora seja uma «pessoa humana» com os valorosos soldados da paz. Assim, se não vinha apagar os fogos, valia mais gozar as férias até ao fim. E foi o que aconteceu.
Quando já tudo estava ardido, voltou à sua terra com um bronze de invejar. Eu, pelo menos, fiquei cheio de inveja, não tenho vergonha de o admitir.
Agora vou-me pôr a adivinhar, mas penso que não errarei muito se disser que o Imperador da freguesia das carvalhas também ficou um tanto ou quanto roído. Sim, sim, porque enquanto o Tó Carlos se banhava com horas e horas de sol, o Adrianus Magnificus andava de agulheta na mão a evitar que as labaredas queimassem e conspurcassem os seus domínios. Não saía de lá. Ele eram telefonemas para a Protecção Civil, para os bombeiros, para a Portucel. Simplesmente imparável.
Quem não gostou de o ver de agulheta na mão foi o Tó Carlos.
Primeiro porque o Imperador conseguiu impedir o fogo nas «suas » terras, o que o Tó não conseguiu.
Segundo porque, devido às muitas horas passadas junto ao fogo, o Adrianus acabou por ficar com um bronze melhor que o seu.
Diz-se que após a comparação do bronzeado entre os eternos rivais foi ordenada a construção de um solário junto ao bar do sogro. Agora estão lá sempre os dois enfiados a ver quem se «queima mais».
Eu é que me fico por aqui, antes que me queimem a mim. Porra, afinal as eleições estão aí e eu quero manter o tacho no balneário...