A JUSTIÇA DA FREGUESIA - Uma história de um habitante, num lugar, de uma freguesia, de um concelho, de um distrito, de uma região, de um país, de um continente, de um hemisfério, de um planeta, de uma galáxia... Ufa, acabei!

Era uma vez…
Começo delicioso. Nunca mais acabam as eleições para voltar a poder escrever um texto com um início destes. Poder fazer alusões a uma qualquer paisagem bucólica das beiras. Descrever um riacho gélido ladeado por chorões.
Não, nunca mais chega o dia 9 de Outubro. O tempo quase deixou de passar. Os segundos parecem minutos, horas, dias, semanas.

Gostava de o fazer, mas só me bombardeiam com gafes e contradições (graves) dos candidatos à white house. Ora é a glande do carvalho que se cala quando o confrontam com o futebol do Tó Carlos, ora é este a assumir artimanhas na contabilidade da Câmara, ao mesmo tempo que se diz sério...

Não resisto. Vou empreender a difícil tarefa de fazer uma osmose entre uma história de cow-boys e uma política local. Não a de S. Pedro do Sul. Uma qualquer localidade.

Era uma vez uma freguesia conhecida pela sua justiça.
Não era uma qualquer freguesia. Era uma freguesia que fazia a transição da vila para as montanhas. Aglutinadora de tudo o que de bom havia nos seus dois polos.

Também não era uma qualquer justiça. Era a justiça da freguesia, como orgulhosamente diziam os seus habitantes, querendo com isto dizer que, ao contrário das outras, principalmente da da vila, não era cega, pelo contrário. Via bem e era certeira para todos quantos a provocavam ou discutiam.
Era uma justiça monocromática. Alaranjada, afirmavam teimosamente os seus habitantes, evocando os ensinamentos do seu pai padre, criador do céu e da terra daquela freguesia.

Incautos, temerários, expoentes máximos da imprudência. Estes alguns dos adjectivos possíveis para caracterizar os que a ousaram desafiar. Apostados em dar um tom mais rosado à laranja, resolveram encher as ruas com cartazes dos seus candidatos a xerife.
Foi por lapso, decerto. A tão apregoada justiça da freguesia, afinal não era assim tão conhecida, pelo menos pelos ousados candidatos.

O resultado era evidente. Óbvio. Certinho e direitinho. Os cartazes dos candidatos a xerife foram todos fornicados, espezinhados, cortados, recortados. As estruturas que os suportavam torcidas, retorcidas, amolgadas.

Essa freguesia era muito peculiar, de facto. Apesar de viver sob um regime republicano, tinha um imperador, controlador de todas as pessoas e, inclusive, de objectos inanimados. Num rasgo de democratização, resolveu investir um habitante irrisório como xerife.

De início, este habitante ainda se mostrou um pouco renitente, mas logo foi «convencido» quando foi confrontado com a possibilidade de, caso recusasse, não ir trabalhar para o festival dos caminhantes, conhecido por pôr os seus participantes a caminhar sobre o passal dias e dias sem parar, para que ervas não crescessem em seu redor.

O novo xerife, após cerimónia solene de investidura de funções, muniu-se das duas Colt e logo prometeu no primeiro discurso, feito pelas 5 da manhã quando regressava da discoteca mais próxima: «prometo ser o Lucky Luke da freguesia, dispararei mais rápido que a própria sombra e em todas direcções».

E assim fez. Nos dias que se seguiram o Lucky Luke irrisório disparou, disparou sem parar, acertando em todos os adversários do imperador, até no compadre deste, parece que o principal visado. Sangue, gritava o imperador de quando em vez, sangue. Atira, atira sem parar, insistia.

O povo rejubilou, o habitante irrisório disparou. Acertou sem ver onde disparava, mas acertou. Com tanta pontaria e receando que o feitiço se virasse contra o feiticeiro, logo o imperador desinvestiu no xerife recém empossado.
Garantiu-lhe o passe de acesso ao festival dos caminhantes ad eternum e respirou de alívio por sair ileso de mais uma cruzada.

É a vida, como dizia o outro.