A PASSAGEM DE ANONunca percebi o gozo de festejar as passagens de ano.
O que pode levar um ser humano a rejubilar por estar um ano mais próximo de morrer? Será bom ter mais umas rugas na cara, vê-la transformada numa espécie de fatia de fiambre trucidada por um tractor? Será um deleite apercebermo-nos que estamos cheios de artroses que nos impedem de subir um lanço de 5 escadas sem parar cinco vezes, uma em cada degrau? Será agradável começarmos a ter perdas urinárias ou uma próstata do tamanho de uma laranja que nos obriga a mijar sete vezes por noite?
Sinceramente, acho que não. Não gosto de elogios ao passar dos anos e, para mim, a passagem de ano é isso mesmo, um relembrar do princípio do fim.
De qualquer dos modos, como não sou egoísta, não posso deixar de sugerir um programinha sampederense de passagem de ano que está a ser organizado pela Câmara Municipal.
Dia 31 de Dezembro de 2005
· 10.00 horas – tertúlia no Cu de S. Feliz subordinada ao tema «O Crescimento Irlandês e as dívidas do Município de S. Pedro do Sul», sendo orador principal o doutorando Tó Carlos, a braços com uma tese com igual nome;
· 11.00 horas – apresentação no salão nobre da Câmara Muncipal do livro «Antonês – Influências Celtas na Língua Sulense», com prefácio do professor Fandango e posfácio pelo presidente da instituição Borges & Vinhos, Lda.;
· 12.30 horas – porco no espeto e vinho da Adega de Lafões à borla no jardim;
· 14.00 horas – estreia da peça teatral «Os Melões da Serra da Arada», encenada por um homem de um universo, de um planeta, de um continente, de um país, de uma região, de um distrito, de um concelho e de uma vila, a ter lugar no recém inaugurado Teatro;
· 15.00 horas – jogo de futebol credores contra funcionários da Câmara Municipal, a ter lugar no recém inaugurado estádio da pedreira, com o pontapé de saída dado pela Glande do Carvalho, recém empossado presidente do sampedrense;
· 16.00 horas – excursão ao LIDL no «comboio» turístico, sendo motorista um antigo presidente da Junta de Freguesia de S. Pedro, por forma a comemorar a devolução da carta de condução;
· 17.00 horas – corrida de clássicos nas recém inauguradas variantes a S. Pedro do Sul;
· 18.00 horas – reunião no Lenteiro do Rio da Confraria dos Barretes, onde serão degustados mais três porcos no espeto e três pipas de vinho – obrigatório levar barrete;
· 19.00 horas – para os mais corajosos, um mergulho no Rio Vouga, recentemente limpo de toda a merda que até então lá flutuava;
· 20.00 horas – visita ao Centro de Saúde, recém inaugurado, na companhia do Exmo. Senhor Presidente da Câmara e também presidente dos lixos do distrito;
· 21.00 horas – ceia no restaurante Ratinho, alugado para o efeito, onde será comido porco no espeto e mais três pipas de vinho, oferta da Termalistur, empresa com maiores lucros no ano que finda, com discurso de um dos administradores cessantes, entretanto convidado para gerir a Caixa geral de Depósitos;
· 23.00 horas – concerto de tambores em Dó menor na escadaria do Convento, sendo maestro o Professor Castro, que promete não deixar que a batuta se prenda nas suas longas barbas;
· 24.00 horas – início da festa Rave patrocinada pela Termalistur nas piscinas do Gerós, com a presença do melhor e maior tirador de finos da Europa;
Dia 1 de Janeiro de 2006
Ressaca gratuita na já referida mui lucrativa Termalistur, com possibilidade de vomitar para a piscina principal.
As marcações deverão ser efectuadas junto dos 58 assessores do presidente ou seus 4 vereadores a tempo inteiro.
Bom Ano, é o que vos deseja o Robin.
O UMBIGO DO DR. JUNQUEIRO E O DOS SEUS CORRELIGIONÁRIOS
Como sabeis – não gosto de utilizar a segunda pessoa do plural, acho muito monárquico, mas apeteceu-me, desculpem, não voltará a acontecer – o umbigo é aquele buraquinho que temos ao fundo da barriga, onde se costuma acumular sujidade. Em termos mais científicos, o umbigo é a cicatriz abdominal, resultante do corte do cordão umbilical.
Em termos estéticos, haveremos de convir que não é muito agradável. Não estou sequer a falar daqueles que ficam saídos, como que ameaçando rebentar a qualquer altura e deixar sair as tripas.
Odorificamente, quem nunca meteu lá o dedo ao fim de um dia quente de verão e sentiu aquele misto de chulé com suor? Pouco agradável, não é?
A sua origem é, ela própria, detestável. Resulta de um corte. Um corte que nos separa das nossas progenitoras, que nos deixa sós no mundo.
Em suma, não é um buraco muito aprazível, ao contrário de alguns outros, principalmente quando existente no sexo feminino. Por exemplo, quem não almeja poder introduzir o dedo mindinho no buraco da orelha de uma mulher, depois de ter trincado o respectivo lóbulo?
Derivações à parte, o umbigo será, por todos os motivos que referi, uma das partes do nosso corpo que alguns teimam em fazer de conta que não existem. Daí que muitos não olhem para o seu umbigo, preferindo olhar para o dos outros.
Começa então o maior espectáculo do mundo – o segundo é o circo. Holofotes acesos, microfones ligados e aquela cara de satisfação de quem vai olhar e falar dos umbigos dos outros. Fácil. As palavras esvoaçam sem dificuldades. O público rejubila ao ver os umbigos dos destinatários expostos a nu. Entretanto, o umbigo do orador vai-se mantendo escondido, por debaixo de várias camadas de roupa, protegido.
Isto tudo atravessou-me a mente – a expressão inglesa é bem mais cheia de significado, mas enfim – quando ouvi o presidente da Federação Distrital de Viseu do Partido Socialista, José Junqueiro.
Na veste de porta-voz de um grupo de autarcas descontentes, em pleno congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses, resolveu o ínclito presidente distrital manifestar-se da forma que segue: «Os autarcas do PS não se revêem nesta direcção, pelo que entendemos que deve haver uma renovação, sobretudo um espírito de parceria no desenvolvimento».
Eis um homem sensato e atento aos problemas que assolam aquele organismo. De facto, não era nada mau que se livrassem do umbigo do Ruas. Não o conhecendo, ao umbigo do Dr. Ruas, aposto que deve ter o mesmo aspecto do bigode que teima em não cortar. Escondido por pêlos farfalhudos. Muito bem, Dr. José Junqueiro, livrem-se do umbigo bigodal. Estou consigo.
Agora, mal que lhe pergunte, quando é que nos vimos livres de V. Exa.? Quando é que V. Exa. se renova? Para quando a libertação do espírito de parceria no desenvolvimento, seja lá o que isso for? Quando é que V. Exa. segue os saltos do Coelho e coloca o seu lugar à disposição? Quando é aconselha os seus correligionários a fazerem o mesmo? Vá lá, siga o meu singelo conselho e olhe para o seu umbigo. Aproveite e veja o dos seus amigos. Quando o fizer e agir em conformidade dar-lhe-ei os parabéns. Dir-lhe-ei o seguinte: «uma jogada de ás. Nada mau para quem apostou sempre em duques».
TÓ CARLOS – O FAZEDOR DE ARMAÇÕES
Par de cornos. Grandes armações. Nem consegue passar na porta. Tem que entrar de lado. Coitadinho (a). Até dá para lá montar um estendal.
Eis um conjunto de expressões que ninguém gosta de ouvir. Os (as) que os têm não gostam que os (as) lembrem. Os (as) que os não têm nem querem ouvir falar disso, não vão ser bafejados com tamanho azar.
Vejo, através dos pixeis do meu ecrã, vários pares de olhos arregalados. Exultantes, ansiosos, aguardam comece uma revelação sampederense sobre quem os teve, quem os tem ou vai ter. Qualquer coisa do género «sob a farta cabeleira que ostentava orgulhosamente irrompeu, súbita e inesperadamente, um valente par de cornos, armados firmemente, como uma barra de ferro».
Não, não, não. Em relação a este tipo de armações não vou eu falar. Respeito muito a sociedade sampederense e, como tal, não quero roubar um dos temas favoritos de café. Sobre que iriam falar nos cafés e cabeleireiros se eu roubasse o substrato dos substratos, o tema dos temas, o centro de tudo? De turistas de casca de melão não era de certeza.
Porque se trata de um assunto sensível, convém limitar o seu âmbito. Caracterizar as armações de que quero falar é um imperativo, sob pena de começarmos todos a ir ao espelho ver se a nossa altura não sofreu nenhum aumento.
As ditas armações são colectivas, porque não excluem ninguém. Todos as têm.
São involuntárias. Queiram ou não, gostem ou não, todos as têm.
São geograficamente localizadas, não ultrapassando os limites do nosso concelho. Basta votar cá para se receberem, automática e imediatamente.
São temporárias, porque duram enquanto durar o ciclo político em que nos metemos – aqui falo no plural por uma questão de solidariedade com a maioria, já que fui um dos votos do contra.
Feita a caracterização objectiva, passemos para o plano subjectivo. Quem nos pôs as armações, pergunto eu? Nesta altura do campeonato, em que decorreram já algumas jornadas, a resposta é fácil. Quem poderia ser, senão o nosso grande presidente, o nosso Tó Carlos, o nosso BMW man, o homem que não gosta das cascas de melão!?
Para os más-línguas que diziam que ele não sabia fazer nada que não fosse a política, eis a prova do contrário. Soube enganar-nos e bem.
Um verdadeiro perito em fazer armações, que nos colocou a todos a partir do momento em que votámos nele e nele acreditámos – mais uma vez a ressalva: só por solidariedade falo em nome da maioria.
Alguém se lembra da promessa do novo estádio para o início da época? Alguém ouviu falar do teatro para Dezembro do ano em curso? Alguém ouviu falar do imediato arranque do Centro de Saúde?
Ouviram, não ouviram? Eu ouvi e mais, li.
Dezembro está aí, ó início da época de futebol já lá vai e o carácter imediato do Centro de Saúde já prescreveu. As obras? Nem vê-las. Pois é, toca a tirar o indicador para fora e coçar a armação. Já está?
Acalmem-se. Nem tudo são más notícias. É Natal e o nosso Tó sabe disso. Quis-me roubar o protagonismo. Não quis dar-me o exclusivo de Pai Natal Robin e enfiar essa veste. Não acreditam? Sigam as minhas instruções.
Vão até ao Bairro da Ponte, contornem o S. Pedro – cuidado para não subirem ao passeio na inversão de marcha – e voltem para a vila. Quando estiverem em frente ao novo cartão de visita da sede do concelho, o que substituiu a casa cuja frontaria reflectia nas águas do Rio Sul – estou a falar do Lidl – olhem para a esquerda. Num cartaz que lá jaze, cheio de musgo que lá se foi acumulando com o passar dos meses – se disser anos acho que não estou a mentir – verão uns dizeres que referem qualquer coisa como isto: «futuro Centro de Saúde».
Procurem-no. Indaguem se o Centro de Saúde é subterrâneo. Escavem, escavem e escavem. Se não o encontrarem, procurem atrás de todas as árvores e arbustos.
Se não o encontrarem, estão lixados. Melhor dizendo, estão armados. Verão que debaixo do vosso guarda chuva – está mesmo um tempo de merda – quase a roçar as varetas, estão umas armações que fariam corar de inveja o mais belo exemplar de veado. Sim, sim, foram enganados.
Era esta a boa notícia que eu tinha ameaçado. Não! Tenham calma. As instruções ainda não acabaram. Continuem o vosso caminho e vão subindo em direcção à praça de táxis. Na parte lateral dos Bombeiros de Salvação Pública está, em letras grandes e gordas, para que ninguém as deixe de ver, a boa notícia: «Armações a metade do preço».
Obrigado Tó Carlos. Eu sabia que, apesar de todo, não nos ias desiludir. Já que estados todos lixados, armados, ao menos que só tenhamos de pagar metade da factura. Reduz os vereadores a metade, vai-te embora a meio do mandato e deixa lá o Adriano para ver se esta merda anda para a frente.
Eu, por mim, vou-me embora p'rá Bustarenga que não estou para andar mais armado em parvo. Au revoir.